Piora econômica deve empurrar 3,8 milhões de domicílios para as classes D e E neste ano

Piora econômica deve empurrar 3,8 milhões de domicílios para as classes D e E neste ano

Estudo da consultoria Tendências aponta que deterioração do mercado de trabalho fará com que 15 milhões de brasileiros sejam deslocados para a camada social mais pobre do país até o fim do ano.

A recessão provocada pela pandemia do novo coronavírus, que atingiu uma economia já fragilizada e com baixo crescimento, vai empurrar milhões para a camada social mais pobre do país. Além de piorar a condição de vida de uma fatia significativa da população, a atual crise deve impedir que parte dos brasileiros consiga progredir socialmente.

Neste ano, segundo um estudo realizado pela consultoria Tendências, 3,8 milhões de domicílios devem passar a engrossar as classes D e E por causa da piora da economia. Ao todo, serão cerca de 15 milhões de brasileiros – contingente equivalente ao número de habitantes do estado da Bahia – que terão uma piora de condição social e passarão a ter uma renda domiciliar inferior a R$ 2,5 mil.

Antes da crise sanitária, a Tendências já esperava uma piora do quadro, devido ao cenário de baixo crescimento econômico. Mas a expansão das classes D e E seria bem menor: uma alta de 600 mil domicílios. Só a pandemia será responsável por empurrar mais 3,2 milhões de lares para a base da pirâmide social, segundo o estudo.

O que explica essa pioria adicional é a forte deterioração do mercado de trabalho, tanto informal como formal, durante a pandemia. Entre maio e julho, o desemprego cresceu 20,9% e alcançou 12,2 milhões de pessoas.

Mas o real impacto da doença no mercado de trabalho está escondido em outros números. No segundo trimestre, por exemplo, 8,9 milhões de brasileiros perderam o emprego – 6 milhões deles informais. Parte desse contingente, porém, ainda não voltou a procurar uma recolocação, seja por conta do risco de contágio da Covid-19 ou devido aos auxílios que vem recebendo do governo. Portanto, esses números ainda não se refletiram na taxa de desemprego.

“Quando a gente observa o impacto da pandemia no mercado de trabalho, os empregos mais formais ou ligados a posições que exigem maior escolaridade estão sofrendo bem menos”, afirma a economista e sócia da consultoria Tendências, Alessandra Ribeiro. “O grosso (do impacto) é realmente sobre a classe C.”

Não por acaso, boa parte dos novos integrantes das classes D e E deve vir da classe C – domicílios com renda entre R$ 2,5 mil e R$ 6,1 mil. Pela projeção da Tendências, a classe C deve perder neste ano quase 2 milhões de domicílios.

De forma geral, os domicílios da classe C têm uma renda bastante variável porque, de todos os integrantes, apenas um costuma ter um trabalho fixo. Os demais têm renda variável e, portanto, são sensíveis a qualquer instabilidade no mercado de trabalho.

“A família de classe C é composta por uma renda fixa, uma pessoa contratada no regime CLT, e por várias rendas variáveis”, diz o diretor executivo da consultoria Plano CDE, Maurício Prado. “Com o cenário da pandemia, essas rendas variáveis caíram muito. Então, houve uma queda muito grande da renda da classe C.”

Os trabalhadores da classe C lidam ainda com uma piora adicional recente no mercado de trabalho, já que atuam majoritariamente em atividades do setor de serviços, duramente impactadas pela pandemia com a necessidade de se promover o isolamento social para evitar um avanço ainda maior da doença.

“O setor de serviços foi muito afetado. Toda a parte de alimentação, de lojas, lazer fora de casa, mesmo cabeleireiro, cosmética. Todos foram muito prejudicados. Isso impacta o emprego dessa classe C, esse emprego de serviços”, afirma Maurício.

Sem mobilidade social

Mais do que promover um retrocesso social no país, a crise causada pela pandemia também está inviabilizando a ascensão da população brasileira para novas classes sociais. Uma parte do aumento das classes D e E é explicada por novos domicílios que se formam automaticamente nesse grupo, e que, por causa da crise, não conseguem melhorar o padrão de vida.

Essa dinâmica fica evidente no comportamento da renda dos mais pobres. A Tendências estima que a massa de renda das classes D e E suba 6,8% este ano, mas este aumento se dará pelo efeito pontual do Auxílio Emergencial. Sem ele, o quadro seria ainda pior.

O auxílio, portanto, ajudou a mitigar as perdas para os mais pobres, mas foi incapaz de promover uma melhora na pirâmide social do país. Para as demais classes, ele não é capaz de evitar uma piora e todas terão redução na massa de renda.

“O grosso desse incremento (da renda das classes D e E) tem a ver com o Auxílio Emergencial”, diz Alessandra. “Os domicílios com famílias mais vulneráveis em termos de escolarização e posição no mercado de trabalho são os que estão tendo mais acesso ao auxílio.”

A massa de renda dos mais pobres pode crescer ainda mais neste ano, já que a projeção realizada pela Tendências trabalha com o cenário de término do auxílio neste mês. Mas o presidente Jair Bolsonaro já sinalizou que o programa deve seguir até o fim do ano.

 Próximo do fim, Auxílio Emergencial ganha ‘empurrão’, mas segue sem substituto definido

Nos próximos dias, o governo deve anunciar detalhes da prorrogação do auxílio e também da criação do Renda Brasil, programa de renda mínima que deve juntar outras iniciativas de transferência de renda sob um mesmo guarda-chuva.

O ponto de partida será o Bolsa Família: a ele, deverão ser apensados outros programas, como o seguro-defeso, o abono salarial e o Benefício de Prestação Continuada (BPC).

Beneficiários do auxílio temem perder renda

 Com o orçamento doméstico prejudicado pela crise, a indicação de que o Auxílio Emergencial vai ser prorrogado tem sido visto com alívio pelos beneficiários do programa.

Em Salvador, a família de Raimunda Bezerra Teles, de 49 anos, registrou uma queda na renda domiciliar, de R$ 1,9 mil para R$ 1,6 mil, depois que ela deixou de receber R$ 300 do aluguel de uma casa.

“Não está tendo falta no meu orçamento por causa do auxílio e pela ajuda da associação (Associação Emília Machado), que tem ajudado, na medida do possível, com doações.”

Sem o dinheiro do aluguel, Raimunda tirou dois filhos da escola particular – a mensalidade de cada um era R$ 150. A casa dela e a que estava alugada foram interditadas pela prefeitura por risco de desabamento, depois de uma forte chuva na cidade. Hoje, a família de Raimunda sobrevive apenas com o salário do marido, operador de máquinas, e do auxílio.

“Eu tinha uma renda de uma casinha que alugava em frente à minha”, diz Raimunda. “Com essa renda extra, era o que pagava a escola dos meus meninos. Minha preocupação é como vou pagar a escola deles no próximo ano.”

Com um filho de 12 anos, Maria de Fátima Souza Pereira, 49 anos, também viu sua renda diminuir por causa da pandemia. Ele pescava marisco e também tem uma ajuda extra do Bolsa Família. Ao todo, ganhava R$ 350 por mês.

o que recebia, Maria de Fátima ainda pagava R$ 150 num aluguel de um imóvel com sala, cozinha, quarto e banheiro. “Masricar era a minha única renda, mas agora não posso mais.”

A situação financeira dela também só não se agravou por causa do Auxílio Emergencial. “Com esse dinheiro é que estou conseguindo pagar aluguel e todas as contas”, afirma. “Estou guardando um pouquinho do auxílio para quando acabar. Assim terei uma reserva.”

Foto: Agência Brasil

redacao

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